Poema | O Mostrengo

 

POEMA

 

O MOSTRENGO


 

mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,

«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

 

9-9-1918

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). – 62.

 


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MENSAGEM

de Fernando Pessoa.
edição: Porto Editora, janeiro de 2016 ‧ isbn: 978-972-0-72659-9

 

SINOPSE

Metas Curriculares de Português
Leitura obrigatória no 12.º ano de escolaridade.

Mensagem
Originalmente intitulada Portugal, a única obra de Fernando Pessoa publicada em vida continua tão atual no século XXI como em 1934. Revisitando o passado – os heróis e as conquistas da História – encontramos uma mensagem para o futuro, porque hoje:
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a Hora!

 

 

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