Manuais escolares digitais: vantagens e desvantagens

 

Manuais escolares digitais: vantagens e desvantagens

 

O Governo anunciou que, em setembro, no arranque do novo ano letivo, dez escolas irão testar manuais digitais. Esta desmaterialização servirá de “tubo de ensaio para a escalagem para todos os agrupamentos de uma forma progressiva”. Estará à vista o fim dos manuais escolares em papel?

Em primeiro lugar, é importante distinguir manual em formato digital que tem como objetivo a sua impressão, e manual digital que é a versão exclusivamente digital do manual escolar e que permite ter conteúdos de variadíssimos formatos (vídeo, áudio, animações, …). Em segundo, importa analisar se a adoção destes manuais será a melhor decisão.

Este assunto é controverso pois as opiniões dividem-se sobre as vantagens e desvantagens do uso de manuais digitais ao invés dos manuais em papel.

 

Vantagens

›   Poupança de árvores e de água utilizadas na produção de manuais escolares em papel

›   Diminuição do peso das mochilas dos alunos

›   Facilidade de uso das tecnologias por parte dos alunos

›   Acesso a conteúdos que os manuais tradicionais não permitem (vídeos, áudios, exercícios com correção automática, …)

›   Possibilidade de criação de inúmeras funcionalidades, como por exemplo a atribuição de tarefas em tempo real e atribuição e registo das classificações dos exercícios propostos nos manuais de forma automática

›   Acesso a grande quantidade de informação a partir de qualquer dispositivo com acesso à internet (acabam-se os esquecimentos dos manuais em casa)

›   Não necessita de espaço físico para seu armazenamento (acabam-se as estantes cheias de livros)

 

Desvantagens

›   Investimento elevado na produção de um manual digital (segundo a Porto Editora um manual digital “custa entre 200 a 300 mil euros e pode ir até a um milhão 1,5 milhões de euros”, pois necessita de uma equipa com diferentes especializações e o processo pode levar um ano)

›   Dependência tecnológica na aprendizagem

›   Constrangimentos ao realizar exercícios de um caderno de atividades com consulta de um outro manual num só ecrã

›   Necessidade de todos os alunos terem em sua posse equipamentos informáticos para acesso aos conteúdos digitais

›   Pode agravar as desigualdades entre alunos

›   Dificuldade de manuseio dos meios tecnológicos por parte de alguns professores (que poderão precisar de formação)

›   Problemas causados nas crianças por elevado número de horas à frente de ecrãs (problemas de visão, de atenção, dores de cabeça, …)

 

 

Conseguimos assim concluir que existem tanto aspetos positivos como negativos em vários níveis:

A nível económico, será necessário um investimento elevadíssimo para as escolas se prepararem para acolher uma utilização massiva das novas tecnologias. Para as editoras, também é necessário um grande investimento pois a produção de um manual digital fica muito mais cara que a produção de um manual em papel. Consequentemente, para os pais, os manuais poderão ser mais caros. Contudo, com a política dos manuais escolares gratuitos, a maioria dos alunos poderá não ter qualquer custo com a aquisição dos manuais, ficando esse investimento assumido pelo Governo.

A nível ambiental, muitas árvores e água serão poupadas, bem como muitos litros de combustível necessários para o transporte de matérias-primas e depois dos próprios manuais até às livrarias. Apesar disso, a utilização massiva de computadores e tablets também terá os seus custos a níveis ambientais. Ao diminuir a produção de manuais escolares irá aumentar a produção de equipamentos informáticos, muitos deles com um tempo de vida relativamente pequeno, o que irá traduzir-se também no aumento de resíduos. No entanto, mesmo assim, parece compensar para o Ambiente a adoção dos manuais digitais.

Na saúde, diminuem as dores de costas devido à redução do peso das mochilas, mas aumentarão os problemas oculares e poderão aumentar também os déficits de atenção causados pela excessiva exposição ao ecrãs.

Em relação à aprendizagem dos alunos, os conteúdos digitais podem-se apresentar sob várias formas interessantes: vídeos, áudios, quizzes e outros conteúdos interativos que podem ser mais estimulantes para os alunos.  No entanto, são vários os estudos que apontam a preferência dos alunos para o suporte físico, e que quando se lê em papel, a compreensão do que é lido é maior, ao contrário do que acontece quando o mesmo conteúdo informativo é lido em ecrãs. E, para surpresa dos cientistas, isto é sobretudo flagrante em crianças. E, convém não esquecer, que um tablet ou computador permite o processamento de várias aplicações em simultâneo, podendo ser motivo de distração para os alunos (estudar com as notificações das redes sociais a caírem poderá não dar muito bom resultado).

 

 

Sendo assim, qual o caminho a seguir?

Tendo em conta que o mundo avança cada vez mais para um modo digital, é bem provável que os alunos de hoje terão no futuro funções relacionadas com as novas tecnologias. O facto de se começarem a utilizar manuais digitais faz com que se consiga preparar toda uma geração mais competente e capaz num mundo cada vez mais tecnológico e online. Talvez seja a nossa tradição no uso do papel que nos faz pensar que as crianças aprendem melhor com manuais físicos do que através de um ecrã.

Penso que no futuro os manuais digitais ganharão cada vez maior relevância e consenso. Talvez o mesmo se passou quando se generalizou o uso das calculadoras. Teve as suas desvantagens (pois os alunos fazem menos esforço para cálculos básicos e tornaram-se dependentes destes auxiliares de cálculo), mas o que se ganhou foi muito mais. Se pensarmos bem, na grande maioria das profissões, quem trabalha com números tem acesso a computadores e/ou calculadoras que tornam mais eficiente o trabalho. Raramente ainda se vê numa mercearia um vendedor fazer as contas num pedaço de papel ou de cabeça, bem à antiga! O mesmo podemos pensar no que se poderá perder com a diminuição da importância da escrita no papel. No mundo laboral é raro escrever-se à mão quando existem vários meios tecnológicos que permitem a escrita sem recurso à caneta e papel e que permitem a partilha do que se escreveu para qualquer parte do mundo, praticamente de forma instantânea.

Enquanto que para mim, e para a maior parte dos adultos, seja lógica a preferência de um livro que possa folhear e assim tirar maior prazer da sua leitura, para os adultos do futuro poderá ser banal a leitura através de e-books ao invés dos livros em papel. Penso que seja esta tradição do papel o maior entrave ao crescimento da adoção dos manuais digitais. Mas acredito que será uma questão de tempo até que exista um consenso que é esse o caminho a seguir. Penso que a principal questão é como minimizar as desvantagens em relação ao seu uso e maximizar as suas vantagens.

São várias as escolas que já prescindiram dos livros em papel, sobretudo escolas privadas, cujos resultados parecem positivos. Sendo esse o caminho, muitos estudos surgirão com base nas experiências já realizadas e nas que estão programadas, e que irão fornecer informações importantes de como tornar a adoção dos manuais digitais eficiente e benéfica para a aprendizagem para os alunos. Contudo, na transição para os manuais digitais, importa ter atenção que nem todas as crianças se irão adaptar da mesma forma, e que fatores como a idade e a desigualdade de acesso a meios tecnológicos e à internet poderão ser obstáculos para o sucesso da sua implementação.

Acredito numa revolução no ensino impulsionada pelos avanços na produção de conteúdos multimédia, mas primeiro deve o Governo criar uma estrutura que permita que todos tenham igual acesso aos mesmos. Deve-se ainda assegurar que a introdução dos manuais digitais não extinga de forma completa os outros suportes de informação. Deve-se ter em conta que, sobretudo para os mais novos, que são mais sensativos, é importante o toque com o livro, a escrita com caneta e lápis, a visão direcionada para o que os rodeia. Espero que se encontre um equilíbrio entre o material digital e o físico.

 

Não estaremos a provocar uma mudança drástica na forma de aquisição de conhecimento e na perceção do mundo que nos rodeia ao privilegiar o mundo virtual?

Preocupa-me impor a uma criança uma exposição excessiva ao mundo virtual. Corremos o risco de criar uma geração mais desligada do mundo que a rodeia, dos afetos, e completamente dependente da tecnologia.

 

Apesar de acreditar que a adoção dos manuais digitais é o caminho a seguir, levanto algumas questões:

›   Não será importante determinar uma idade mínima para a adoção dos manuais digitais?

›   Não corremos o risco de ficar excessivamente dependentes da tecnologia e da internet?

 

Tomamos como garantida a internet como veículo de informação e cada vez mais as sociedades dela dependem. Mas, e se houver algum tipo de blackout na internet? Será impossível? Também já nos foi impensável viver num contexto de pandemia, com uso obrigatório de máscara em vários locais, com as nossas liberdades restringidas… Penso ser importante assegurar que, tal se acontecer, poderemos regressar facilmente a métodos tradicionais (hoje atuais).

 

Corremos algum risco com a desmaterialização dos manuais escolares pois dependemos cada vez mais da tecnologia e da internet. E por outro lado, poderá decorrer em simultâneo uma “desmaterialização de valores”, uma forma de ser cada vez mais “virtual”, cada vez menos humana… Será esta a evolução da espécie humana?

 

 

Luis Carrilho


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