CONTO
O VENTO
Diz-se que um dia… o Sol e o Vento andavam a brincar às escondidas. O Vento empurrava as nuvens que tapavam a cara do Sol. O Sol esbraseava-as, derretia-as e tornava a luzir. O Vento sossegava, mas sempre a resmungar. Nisto andavam…
E uma velhota, que muito bem entendia estes manejos do Vento e do Sol – do ladrão do Vento e do macaco do Sol, como ela dizia – contou a seguinte história a um neto que tinha. Mas antes de a contar, sentada à porta, com a cabeça do rapazito no regaço, a ver se ele dormia, assim lhe disse: não te fies de um nem maldigas do outro! Sem eles que seria do mundo?
E para ver se chamava o sono ao neto, começou:
O Vento veio ao mundo num reino, num reino de que se perdeu o nome. Não sabias?E era muito estimado, alegre, até bonito. Vivia com os pais. No palácio destes havia uma torre que chegava ao céu.
Os primeiros passos do Vento foram dados nela, para cima e para baixo. E já eram pesados. Os pais bem lhe recomendavam: cuidado, Vento! Este era o seu nome, que nunca perdeu. Ainda hoje o tem. Cuidado, não te aleijes! Mas o Vento, que já era travesso, nunca sossegava e cada vez batia mais com os pés. Foi crescendo e mostrando bem o que havia de vir a ser: turbulento, ambicioso e brigão.
Um belo dia o Vento abandona os pais. E tal sumiço levou que a torre caiu e o reino se desfez (tanto que já ninguém sabe onde eles ficaram) e o seu próprio rasto se perdeu.
Se perdeu, não digo bem, emendou a velha; porque por onde ele passava…É o Vento, é o Vento, diziam todos. Ah! ladrão! Mas ele nunca tornava atrás. Parece que tinha de dar a volta ao mundo; era o seu fado. Debulhava as espigas, torcia os ramos, quebrava as canas dos milhos, encrespava as águas e chegou a derrubar à punhada as mais velhas árvores que havia. Rugia, assobiava, era indomável.
– Quem passou por aqui, quem me desgraçou? -diziam os desesperados.
Outros ameaçavam-no: Ah! ladrão, que se te apanho…
Mas o Vento ria, ria e a zenir por meio dos canaviais ainda metia mais pavor.De noite, então!Tantos malefícios espalhou que já não tinha senão inimigos.
“Havemos de o vencer!” – diziam todos. E armaram-lhe ciladas. Ele numa caía, de outras se livrava. Mas como tinha o fado de andar sempre às voltas pelo mundo e não podia morrer, corria, corria… Sangrado, pisado, humilhava-se, às vezes; mas assim que ganhava forças… ele aí vai!
A dar, a dar com os grandes braços para um lado e para o outro, à maneira de pás; a inchar, a inchar e a resfolegar cada vez com mais força… quem é o que o podia segurar?
Tantas vezes se repetiu o caso que um rei, de outro reino também perdido, o quis conhecer. E para isso lhe marcou uma audiência. O Vento, sabedor e surpreendido, apresentou-se ao tal rei no prazo marcado. Mas da conversa que ambos tiveram nada ficou escrito, o mundo é que depois falou.
Temos o Vento mudado! Correu por toda a parte.
E era verdade. Maldades ainda fazia e armava os seus sarilhos, mas também as tinha boas… Tanto assim que subiu a um monte e soprou, soprou, soprou…Por encanto fez nascer moinhos com velas e mós. Depois desceu a uma porção de praias do mar. E que se viu? Surdirem barcos, que ele próprio empurrava.
À tardinha, então, quando se sentia bem disposto, deitava-se no chão e punha-se a dizer segredos às flores.E a velhota, falando, falando adormeceu o neto com a sua história.
O Vento in Queres ouvir? Eu Conto de Irene Lisboa
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QUERES OUVIR? EU CONTO
de Irene Lisboa; Ilustração: Manuela Bacelar .
edição: Editorial Presença, fevereiro de 2013 ‧ isbn: 9789722349994
SINOPSE
Plano Nacional de Leitura.
Livro recomendado para o 3º ano de escolaridade, destinado a leitura orientada.
Nesta obra encontramos, segundo as palavras da própria autora, «histórias para maiores e mais pequenos se entreterem». São histórias curtas, cheias de humor e ação, para ler ou ouvir contar, que valorizam o diálogo ou a oralidade e que criam mundos maravilhosos e encantatórios que vão ao encontro da expetativa do público infantil, o seu destinatário preferencial. Mas também «os maiores» se poderão deixar fascinar por estas narrativas que se revestem de grande significado histórico, literário e educacional e completam o panorama da escrita de uma das mais importantes autoras portuguesas do século XX.