CONTO
A PATA RAINHA
Uma pata saiu do seu charco e andava a esfregar o bico pelas ervas, quando dá com um pedacinho de lata a luzir. Parece-lhe coisa de muita valia e põe-no na cabeça. Depois foi-se mostrar às outras patas.
– Eu sou a rainha, eu sou a rainha! – grasna ela. Mas logo achou mesquinho o charco e as companheiras que tinha e resolveu ir correr mundo.
De coroazinha na cabeça foi andando, foi andando… até que encontrou um cão.
– Pareço-te bem? – perguntou-lhe ela. – Olha que estás em presença de uma rainha!
– Muito bem! – respondeu-lhe imediatamente o cão.
– Achas, achas? E tu gostarias de ser meu mordomo?
– Decerto. Nem maior honra eu podia esperar!
O cão era coxo, o que o não impediu de seguir a pata. Demais a mais o andar desta era vagaroso e solene. Puseram-se ambos a caminho.
A pata, como rainha que se supunha, ou era, tratou logo de lançar tributos a todos os bicos que encontrava. Galos, perus, galinhas e patos, tudo vivia subordinado à senhora pata. E ela ociosa e regalada.
Estava a real pata muito bem agachada a uma sombra, em certo dia, quando dá à passarada para se pôr a chalrar.
E diz ela assim lá de baixo:
– Caluda, que me incomodam!
Mas os pássaros continuaram.
– Caluda, que a rainha quer descansar!
Os pássaros, que estavam numa hora de folia, sentiram-se agravados. E com eles todo o povo de penas se amotinou.
– Há de se saber se a pata é ou não é rainha! – diziam de um lado.
E do outro:
– Que venha a pata! Que venha a pata!
Sai do seu remanso a pata, com toda a majestade, e apresenta-se.
Bradam-lhe os pássaros:
– Canta, que se tu és rainha hás de saber cantar.
A pata abre o bico e grasna.
Foi uma risota geral.
– Então voa, já que não sabes cantar; voar talvez saibas e se és nossa rainha voarás melhor que nós.
A pata vai para voar mas só bate as asas.
– Fora a rainha! Fora a rainha! – gritam-lhe os pássaros de mil modos.
– Nada, deves saber nadar. – dizem-lhe então os cisnes – nada aqui à nossa frente, belo galeão…
A pata, felicíssima, entra pela água dentro e começa a nadar, mas depressa fica para trás dos cisnes, que nunca mais olham para ela.
Torna a pata para terra.
– E o monco, tu não tens monco? – bradam-lhe os perus – E a crista e os esporões? – saltam de lá os galos.
– Fora, fora, fora, que não é rainha! – bradam todos a um tempo – Não sabe cantar nem voar e até nada mal! E não possui monco nem crista nem esporões, fora, fora!
A pata é expulsa do reino dos bicos à bicada. Desaparece com o seu cão sem deixar saudades. Nem rasto…
Muito murchos, muito humildes, onde haviam os dois de ir parar?
À porta de um moinho. A moleira chama-os para dentro e oferece-lhes de comer. A pata é para a engorda e o cão, apesar de coxo, para guarda. Já a pata estava como um texugo, nédia, pesada, vem-lhe o cão com um recadinho:
– O patrão faz anos, tu sabes? E a patroa não fala noutra coisa.
– Deixa-os lá! – respondia-lhe a pata – Quero que tenham muita saúde!
E o cão:
– Mas olha que eles já convidaram o compadre e a comadre…
Andava o cão sempre fora e dentro com recadinhos e a pata enfastiava-se:
– Deixa-os lá!
Até que ele um dia lhe participou que a patroa andava a amolar as facas.
– Isso agora já é outra coisa! – exclamou ela – Triste vida! Ala, que já aqui não estamos bem!
Lá partiram os dois. Ela aos balanços e ele a coxear, esconderam-se nuns pedregais, onde curtiram muita fome. Catavam as pedras e lamuriavam.
Torna a pata a achar um pedacinho de lata. E diz logo assim para o cão:
– Mordomo, lembra-te que estás em presença de uma rainha! – E de latinha no toutiço entra a dar ao rabo e a grasnar.
Passam uns saltimbancos. Veem-na com aqueles propósitos e tanta graça lhe acham que a levam e mais o cão.
Ensinam-na a marchar ao som de música, com uma verdadeira coroa na cabeça. E ao cão a receber as ofertas.
Ambos se dão bem no ofício.
O tempo que ambos assim viveram é que não reza a história.
A Pata Rainha in Queres ouvir? Eu Conto de Irene Lisboa
Vídeo Youtube
Para ouvir a leitura!
Apresentação Slideshare
Para ler!
(Estamos à procura!)
Comprar o livro na livraria virtual WOOK
Para reler e guardar!
QUERES OUVIR? EU CONTO
de Irene Lisboa; Ilustração: Manuela Bacelar .
edição: Editorial Presença, fevereiro de 2013 ‧ isbn: 9789722349994
SINOPSE
Plano Nacional de Leitura.
Livro recomendado para o 3º ano de escolaridade, destinado a leitura orientada.
Nesta obra encontramos, segundo as palavras da própria autora, «histórias para maiores e mais pequenos se entreterem». São histórias curtas, cheias de humor e ação, para ler ou ouvir contar, que valorizam o diálogo ou a oralidade e que criam mundos maravilhosos e encantatórios que vão ao encontro da expetativa do público infantil, o seu destinatário preferencial. Mas também «os maiores» se poderão deixar fascinar por estas narrativas que se revestem de grande significado histórico, literário e educacional e completam o panorama da escrita de uma das mais importantes autoras portuguesas do século XX.